Uma cerveja para recordar
- Matheus Felipe Braga
- 17 de jan. de 2017
- 4 min de leitura

Dos mais variados tipos de cervejas que existem no mercado, em suas mais variadas marcas, contendo numerosos padrões distintos, com inúmeras concentrações, equilíbrios, destaques, sabores, aromas, texturas e cores. O mercado cervejeiro atual está bastante aquecido, e as pessoas que buscam por conhecer este novo mercado, estão a cada dia experimentando e se surpreendendo com sua diversificação. Mas sempre existem aquelas cervejas que nos deixam marcas, que nos fazem lembrar e sempre que temos chance, procuramos bebe-las novamente. Mas, porque acontece isso? Porque nos apegamos à uma cerveja distinta, com sabores e aromas que por muitas vezes, a maioria das pessoas a nossa volta não acha tão interessante, ou nem mesmo gostam?
Um fato interessante, e mais amplo do que simplesmente falar de cerveja, está ligado ao que podemos chamar de memória sensorial, é um tipo de memória que tem origem nos nossos órgãos sensitivos, correspondendo assim, ao armazenamento de informações de todos os tipos que chegam até nossos sentidos. Uma vez processadas, essas informações são transferidas para memorias de curto prazo. Porém o traço de memoria sensorial pode-se perdurar caso esta seja estudada e exercitada, mesmo que inconscientemente.

Quando pensamos em uma maçã por exemplo, conseguimos imaginar sua imagem, sentir seu aroma, seu sabor e até mesmo sua textura, mesmo não tendo nenhuma maçã por perto. Certamente, isso é uma ideia de memória sensorial que já está exercitada pela nossa mente, e que agora já faz parte do que podemos chamar de “biblioteca sensorial”, que é um banco de dados gravado e exercitado pelo nosso cérebro. E é exatamente isso que nós, sommeliers praticamos para apurar nossos sentidos durante a degustação, nós treinamos nossos sentidos e fazemos com que essas memorias de curto prazo, prolonguem a ponto de conseguirmos sentir o aroma de uma maçã isoladamente dentre muitos outros aromas à sua volta e em um liquido que não foi adicionada nenhuma maçã para que o aroma estivesse ali.






O gosto pessoal, como o próprio nome já nos fala, nada mais é do que aquilo que gostamos dentro de um universo de sensações e lembranças que já conhecemos e vivenciamos. Ou seja, aquilo que tiramos de bom ou de ruim de cada uma das nossas memorias sensoriais, são transmitidas ao cérebro em mensagem de algo bom ou ruim. Então, se não gostamos do aroma de carne em decomposição por exemplo, é porque o nosso subconsciente avaliou aquele aroma sentido pela primeira vez, em um aroma que representa a morte por exemplo, então nem queremos chegar perto quando sentimos esse tipo de cheiro. Porém, se o mesmo cheiro nos fosse atribuído como única fonte de alimento disponível e que não nos fizesse mal, provavelmente associaríamos o cheiro de carne podre como uma coisa boa, o que explica os animais necrófagos conseguirem se alimentar, estes animais foram criados para sentir esses sabores e aromas como coisas boas para eles.
Logo, os sabores e aromas existentes, são diariamente observados por outros sentidos do nosso corpo, avaliados ou combinados com sabores e aromas próximos ou semelhantes para nos transmitir sensações boas ou ruins, de modo que, quando identificamos um sabor totalmente novo a nossa volta, somos totalmente influenciados psicologicamente, tanto pelos outros sentidos do nosso corpo, como também por opiniões predominantes de terceiros.
Um exemplo clássico é o sushi, uma comida que não utiliza quase tempero nenhum e é composto por carne crua, nada comum aos olhos de quem nunca comeu e nem teve acesso fácil a esse tipo de comida. Nossos instintos para o sushi, num primeiro momento nos alertam que não é uma boa ideia, fomos criados vendo que carne não se come crua, pois pode causar doenças. Então, logo de cara o rejeitamos, nossos olhos estão recorrendo a sua biblioteca sensorial nos dizendo que isso é errado, mesmo não tendo parâmetros de sabor e aroma para confirmarem o que os olhos nos dizem. Portanto, somos induzidos por opiniões de terceiros que nos fazem receber outros dados de outra biblioteca sensorial, a biblioteca da audição, nós ouvimos pessoas próximas nos dizendo que sushi é bom. Estas duas entram em conflito quando decidimos provar, a boca e as narinas também tiram suas conclusões, e seguimos fundindo opiniões e reformulando a biblioteca a partir desse ponto.


Portanto, podemos afirmar que, nossos gostos surgiram muito por causa da nossa criação, dos nossos outros sentidos interligados e momentos associados a eles, que nos fazem de algum modo, mesmo que indireto, gostarmos ou desgostarmos do que estamos sentindo. E com isso, podemos dizer que “cada um tem o seu gosto”, por que cada pessoa teve uma vivência e uma lembrança diferente guardada, daquele tipo de aroma, sabor e demais sensações.
Para a cerveja, estas sensações vão se misturar a outras sensações de outras bibliotecas, pois existem numerosas sensações que cervejas podem nos causar. Cervejas artesanais e especiais, costumam surpreender seus apreciadores por possuírem com sensações que não esperavam encontrar ali. Sem dúvidas essas sensações inesperadas nos fazem questionar, e por muitas vezes nos maravilhar e guardar essa recordação da mesma, como se fosse algo inesquecível.

Estas cervejas, não poderei apontar aqui, pois cada um terá a sua preferida, que mais marcou e que ficou na memória. Mas, se vale a dica, somente o sabor e o aroma da cerveja não bastam para que esta seja inesquecível.
O que torna uma cerveja verdadeiramente inesquecível é o conjunto de sensações, de modo que até uma simples cerveja já conhecida, pode vir a ser a cerveja para recordar. Os momentos da vida são muito fortes para nossas recordações e as nossas sensações se aguçam mais quando estamos em momentos chave. Portanto, quando forem beber alguma cerveja especial, guardem-na e esperem o momento certo de abrir, com a ou as pessoas certas. Assim nossos sentidos se aguçarão, nossas lembranças deixarão marcas, e a cerveja experimentada vai ser sempre motivo de recordação para a vida, não só por seu sabor ou aroma surpreendente, mas pelo momento e pela companhia contemplada. Porque não só a cerveja, mas tudo à sua volta pode ser degustado.

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